Foto:Reprodução |
Sem permissão para prestar serviços, papa-defunto se aliou ao dono da Pioneira, investigada por falsificar e vender atestados de óbito.
Quem trabalha no Hospital Regional de Ceilândia (HRC) já se acostumou com a presença de um homem negro, baixo e trajando invariavelmente jaqueta preta de couro, independentemente do clima. Eremito Araújo Nunes não é funcionário da Secretaria de Saúde, mas circula com desenvoltura nas dependências da unidade, normalmente abordando familiares de pessoas que morreram no HRC. Eremito é um papa-defunto e deu nova roupagem à Máfia das Funerárias, uma organização criminosa desarticulada pela Polícia Civil (PCDF) e pelo Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) em 2017.
Quem trabalha no Hospital Regional de Ceilândia (HRC) já se acostumou com a presença de um homem negro, baixo e trajando invariavelmente jaqueta preta de couro, independentemente do clima. Eremito Araújo Nunes não é funcionário da Secretaria de Saúde, mas circula com desenvoltura nas dependências da unidade, normalmente abordando familiares de pessoas que morreram no HRC. Eremito é um papa-defunto e deu nova roupagem à Máfia das Funerárias, uma organização criminosa desarticulada pela Polícia Civil (PCDF) e pelo Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) em 2017.
Até junho deste ano, Eremito trabalhava como sócio
da Funerária Cristo Rei – registrada com nome social de Funerária DCV
LTDA. –, que funcionava na EQNM 17/19 de Ceilândia Sul, quase em frente ao HRC.
O estabelecimento teve a autorização cassada em 11 de junho pela Secretaria de
Justiça devido a irregularidades documentais. Eremito e sua sócia, Carmem
Mayara Ferreira, retiraram toda a mobília das três lojas que ocupavam no
comércio local, mas continuaram no ramo clandestinamente.
As três lojas que pertenciam a Cristo Rei
permanecem estampando placas de serviços funerários na fachada, mas o nome foi
ocultado. Em razão da proximidade com o hospital da maior e mais populosa
cidade do Distrito Federal, há um número grande de comércios desse ramo nas
redondezas. Na quadra onde ficava a Cristo Rei, existem outras duas funerárias
que operaram legalmente: a Bom Jesus e a Pax. Eremito mira justamente os
clientes dessas empresas.
Normalmente, quem procura por serviços funerários
na região faz orçamentos na Bom Jesus e na Pax. Eremito aborda os interessados
na saída e os convida a entrar em uma de suas lojas vazias. Para evitar que os
clientes se espantem com a ausência de funcionários e materiais de escritório,
diz que o lugar será reformado para “melhor atender ao público”.
O papa-defunto oferece sempre um preço bem menor do
que a Bom Jesus e a Pax. Com o negócio fechado, encaminha a pessoa à Pioneira,
que tem endereço em Taguatinga. Sem saber que falava com um jornalista, ele
explicou como seria um sepultamento padrão. “Fica R$ 1,4 mil. Você paga no
cartão, cheque ou dinheiro. A gente pega o corpo e deixa preparadinho na
clínica até a hora de levar para o cemitério”, disse Eremito.
Operação Caronte
A Pioneira – para onde Eremito
encaminha os familiares de pessoas mortas no HRC – esteve no alvo da PCDF e do
MPDFT em outubro do ano passado, quando a Operação Caronte foi deflagrada.
Liderada pelo médico Agamenon Martins Borges,
a quadrilha falsificava e vendia atestados de óbito por até R$ 6 mil. O
documento é gratuito, mas o grupo se valia do desconhecimento das pessoas.
A funerária é a principal suspeita de captar ilegalmente a frequência
dos rádios da PCDF em busca de informações sobre mortes
classificadas como aparentemente naturais. Depois, funcionários ligavam para os
familiares para obter vantagens ilícitas. O dono da Pioneira, Cláudio Barbosa
Maciel, foi um dos detidos na ação.
À época, os investigadores descobriram que o
esquema arquitetado por Cláudio Maciel tinha três linhas de atuação: a primeira
consistia em captar clandestinamente as comunicações da Polícia Civil. Em
uma segunda frente, assediavam familiares na saída do Hospital Regional de
Taguatinga (HRT), após informações repassadas por trabalhadores do
local. Na terceira, corrompiam Agamenon, que nem sequer olhava os
cadáveres e fornecia atestados de óbito.
Os criminosos geralmente se passavam
por servidores do IML. Alegavam aos parentes das vítimas que uma equipe do
órgão iria prestar assistência – ou uma funerária ligada ao grupo poderia
ajudá-los. Em agosto, o Metrópoles revelou que Agamenon
havia ingressado nos quadros da Secretaria de Saúde ao passar em um concurso
público para ser pediatra na rede.
Com os dias contados
De acordo com o subsecretário de Assuntos Funerários da Secretaria de Justiça
(Sejus), Manoel Antunes, a Pioneira está com os dias contados. “Ela é ré no
processo que apura irregularidades na captação clandestina de comunicação de
rádio amador da Polícia Civil e, dentro desse mesmo processo, há provas
robustas da participação de papa-defuntos da Pioneira no agenciamento de
serviços funerários, o que infringe a legislação”, destacou.
Sobre a parceria ilegal entre o papa-defunto
Emerito e a Pioneira, Manoel disse já ter recebido dezenas de denúncias. “Não
obtivemos êxito nos flagrantes, mas temos ciência dessas irregularidades.
Recentemente, tivemos acesso ao processo que corre na Justiça e a ideia é
encaminhar a revogação do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) da Pioneira”,
explicou.
Responsável pela denúncia contra alvos
suspeitos da Caronte, o promotor Maurício Miranda, da Promotoria Criminal de
Defesa dos Usuários dos Serviços de Saúde (Pró-vida), culpou o poder
público pela continuidade da Máfia das Funerárias.
Há uma inércia do Estado, pois já
deveria ter sido feita licitação para esses serviços há muitos anos. Do jeito
que está, os atuais permissionários se sentem confortáveis para fazer o que bem
entendem, pois não há regulamentação clara"
Maurício Miranda, promotor de Justiça
Em relação à licitação, o Distrito Federal nunca
realizou concorrência pública para funerárias. Em novembro, contudo, o GDF
lançou um certame.
O processo de concorrência foi
divulgado no Diário Oficial do DF e prevê a seleção de 39
empresas para atuarem no ramo. As regras para participar do certame estão no
portal da Secretaria de Justiça e Cidadania. A sessão pública de recebimento
das propostas será em 11 de dezembro, das 10h às 11h.
As selecionadas substituirão as 54 empresas que
atuam no setor atualmente. Muitas começaram a trabalhar no DF em 1980 sem
passar por nenhum processo licitatório. Houve uma tentativa de concluir o
pleito em 1999, mas o certame foi frustrado.
A reportagem ligou várias vezes e em horários
diferentes para falar com Cláudio Maciel, mas não obteve êxito. Um
funcionário identificado como Miguel disse que o patrão retornaria os contatos,
o que não ocorreu até a última atualização deste texto.
Funerária investigada pela PCDF e pelo MPDFT é suspeita de praticar várias irregularidades |
Mitologia grega
Batizada de Caronte, o nome da operação é uma referência ao barqueiro da
mitologia grega que cobrava pelo transporte das almas do mundo dos vivos para o
mundo dos mortos através de um rio controlado por ele.
O Núcleo de Controle Externo da Atividade Policial
(NCAP), a 4ª Promotoria de Defesa da Saúde (Prosus), a Promotoria de Justiça
Criminal de Defesa dos Usuários dos Serviços de Saúde (Pró-vida) e a
Corregedoria-Geral da Polícia Civil do DF participam das buscas.
Sem autorização para fazer a prestação de serviços
funerários, Eremito passou a atuar no mercado negro da morte. Se aliou ao dono
da Pioneira – outra investigada pela PCDF – e reorganizou um exército
de papa-defuntos. Ao convencer familiares a fechar negócio com a Pioneira,
recebe uma comissão de 30% sobre o valor. metropoles.com
As
três lojas que pertenciam a Cristo Rei permanecem estampando placas de serviços
funerários na fachada, mas o nome foi ocultado. Em razão da proximidade
com o hospital da maior e mais populosa cidade do Distrito Federal, há um
número grande de comércios desse ramo nas redondezas. Na quadra onde ficava a
Cristo Rei, existem outras duas funerárias que operaram legalmente: a Bom Jesus
e a Pax. Eremito mira justamente os clientes dessas empresas.
Normalmente, quem procura
por serviços funerários na região faz orçamentos na Bom Jesus e na Pax. Eremito
aborda os interessados na saída e os convida a entrar em uma de suas lojas
vazias. Para evitar que os clientes se espantem com a ausência de funcionários
e materiais de escritório, diz que o lugar será reformado para “melhor atender
ao público”.
O papa-defunto oferece
sempre um preço bem menor do que a Bom Jesus e a Pax. Com o negócio fechado,
encaminha a pessoa à Pioneira, que tem endereço em Taguatinga. Sem saber que
falava com um jornalista, ele explicou como seria um sepultamento padrão. “Fica
R$ 1,4 mil. Você paga no cartão, cheque ou dinheiro. A gente pega o corpo
e deixa preparadinho na clínica até a hora de levar para o cemitério”, disse
Eremito.
Operação Caronte
A
Pioneira – para onde Eremito encaminha os familiares de pessoas mortas no
HRC – esteve no alvo da PCDF e do MPDFT em outubro do ano passado, quando a
Operação Caronte foi deflagrada. Liderada pelo médico
Agamenon Martins Borges, a quadrilha falsificava e vendia atestados
de óbito por até R$ 6 mil. O documento é gratuito, mas o grupo se valia do
desconhecimento das pessoas.
A funerária é a principal
suspeita de captar
ilegalmente a frequência dos rádios da PCDF em busca de
informações sobre mortes classificadas como aparentemente naturais. Depois,
funcionários ligavam para os familiares para obter vantagens ilícitas. O dono
da Pioneira, Cláudio Barbosa Maciel, foi um dos detidos na ação.
À época, os investigadores
descobriram que o esquema arquitetado por Cláudio Maciel tinha três linhas de
atuação: a primeira consistia em captar clandestinamente as comunicações da
Polícia Civil. Em uma segunda frente, assediavam familiares na saída do
Hospital Regional de Taguatinga (HRT), após informações repassadas por
trabalhadores do local. Na terceira, corrompiam Agamenon, que nem sequer
olhava os cadáveres e fornecia atestados de óbito.
Os
criminosos geralmente se passavam por servidores do IML. Alegavam aos parentes
das vítimas que uma equipe do órgão iria prestar assistência – ou uma funerária
ligada ao grupo poderia ajudá-los. Em agosto, o Metrópoles revelou que Agamenon havia ingressado nos quadros da
Secretaria de Saúde ao passar em um concurso público para ser pediatra na
rede.
Com os dias contados
De acordo com o subsecretário de Assuntos Funerários da Secretaria de Justiça
(Sejus), Manoel Antunes, a Pioneira está com os dias contados. “Ela é ré no
processo que apura irregularidades na captação clandestina de comunicação de
rádio amador da Polícia Civil e, dentro desse mesmo processo, há provas
robustas da participação de papa-defuntos da Pioneira no agenciamento de
serviços funerários, o que infringe a legislação”, destacou.
Sobre a parceria ilegal entre o papa-defunto
Emerito e a Pioneira, Manoel disse já ter recebido dezenas de denúncias. “Não
obtivemos êxito nos flagrantes, mas temos ciência dessas irregularidades.
Recentemente, tivemos acesso ao processo que corre na Justiça e a ideia é
encaminhar a revogação do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) da Pioneira”,
explicou.
Responsável pela denúncia contra alvos
suspeitos da Caronte, o promotor Maurício Miranda, da Promotoria Criminal de
Defesa dos Usuários dos Serviços de Saúde (Pró-vida), culpou o poder
público pela continuidade da Máfia das Funerárias.
Há uma inércia do Estado, pois já
deveria ter sido feita licitação para esses serviços há muitos anos. Do jeito
que está, os atuais permissionários se sentem confortáveis para fazer o que bem
entendem, pois não há regulamentação clara"
Maurício Miranda, promotor de Justiça
Em relação à licitação, o Distrito Federal nunca
realizou concorrência pública para funerárias. Em novembro, contudo, o GDF
lançou um certame.
O processo de concorrência foi
divulgado no Diário Oficial do DF e prevê a seleção de 39
empresas para atuarem no ramo. As regras para participar do certame estão no
portal da Secretaria de Justiça e Cidadania. A sessão pública de recebimento
das propostas será em 11 de dezembro, das 10h às 11h.
As selecionadas substituirão as 54 empresas que
atuam no setor atualmente. Muitas começaram a trabalhar no DF em 1980 sem
passar por nenhum processo licitatório. Houve uma tentativa de concluir o
pleito em 1999, mas o certame foi frustrado.
A reportagem ligou várias vezes e em horários
diferentes para falar com Cláudio Maciel, mas não obteve êxito. Um
funcionário identificado como Miguel disse que o patrão retornaria os contatos,
o que não ocorreu até a última atualização deste texto.
Mitologia grega
Batizada de Caronte, o nome da operação é uma referência ao barqueiro da
mitologia grega que cobrava pelo transporte das almas do mundo dos vivos para o
mundo dos mortos através de um rio controlado por ele.
O Núcleo de Controle Externo da Atividade Policial
(NCAP), a 4ª Promotoria de Defesa da Saúde (Prosus), a Promotoria de Justiça
Criminal de Defesa dos Usuários dos Serviços de Saúde (Pró-vida) e a Corregedoria-Geral
da Polícia Civil do DF participam das buscas. IGO ESTRELA/METRÓPOLES