» » Paulo Leandro: Mário Sérgio, o ponta-esquerda imarcável

O mundo tem uma inacreditável, irremediável, invencível capacidade de nos entristecer. Esta é toda a importância de nos agarrarmos às pequenas alegrias, como náufragos, e tentarmos ver, mesmo na pétala arrancada de uma flor, um naco de vida e potência.
A vitória sobre o Coritiba alegrou. Mereceu sorvete de morango e chocolate, só pra sentir sabor de vermelho-e-preto. Na manhã seguinte, o mundo, uma vez mais, mostrou o quanto é talentoso na condição de carrasco. Morre Mário Sérgio Pontes de Paiva.
Mário Sérgio fez sucesso coma camisa do Vitória no ano de 1972 (Foto: Arquivo)
Sem a arte, estamos ao léu. A realidade, a objetividade, a vontade de verdade podem nos derrotar, definitivamente, a qualquer momento. Seu futebol resistia à inexistência que o passado impõe. Basta ver no YouTube, Grêmio 2x1 Hamburgo, pela final mundial de 1983.
No comecinho, pelo Vitória, resta a nostalgia – lembranças que nos alegram. Meião arriado, camisa feito vestido, barbão, dirigia nu seu fusquinha e assustava a cozinheira, dona Tidinha. O diabo era o pai do rock e deste ponta-esquerda imarcável.
Não importa se foi tricampeão brasileiro invicto – o único -, nem campeão mundial; seus shows em times sulistas e sudestinos, para nós, bairristas baianos, não amarram a chuteira do que ele aprontou na ponta esquerda do Vitória: inveja eterna dos inimigos.
França roubava a bola na raça e passava para o Vesgo – ele olhava prum lado e tocava pro outro, desarrumando a defesa adversária. Ao visgar a bola no pé, podia-se ouvir o crepitar dos ossos dos marcadores tremendo de medo da humilhação dos dribles.
Que ele ia avançar, sem dúvida. O desafio de laterais, volantes, zagueiros, etc. etc. era tentar não ter o esqueleto desmantelado, passar menos vergonha, mesmo driblado, uma, duas, três, quantas vezes ele curtisse aquela festinha de maluco ex-juvenil do Flamengo.
O ex-jogador atuava como comentarista no canal Fox Sports desde 2012(Foto: Divulgação)
A ele, Osni e André dediquei meu livro sobre as torcidas baianas. De tanto alegrar o Vitória, e alcançar a escala planetária com o título pelo Grêmio, o Vesgo terminou no Bahia – encerrou a carreira triste, no intervalo de jogo contra o Goiás, camisa no chão.
Sem a aisthésis grega, algo como ‘capacidade de sentir’, a vida perde o doce, a fantasia, a beleza: a tristeza toma conta – é a morte em vida. Mário Sérgio, craque também como comentarista, agora é titular no time de Olimpo: alguém duvida, em sã consciência?
Imagine o ataque com Poseidon, Zeus, Júpiter e o Vesgo segurando a onda da harmonia do cosmo. O sonho: todo futebolista não passa de uma criança. A sensação de perdermos nosso mágico permite uma certeza: a camisa número 11, agora, é encantada. 
*Paulo Leandro é professor-doutor e jornalista
Correio

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