» » Áreas de preservação em Trancoso estão sendo devastadas criminosamente

Ocupações irregulares colocam em risco a vegetação originária no paraíso do Extremo-Sul baiano.

Foto: Reprodução/Globoplay
Considerada um dos destinos mais paradisíacos da Bahia e guardiã de parte do que ainda resta de Mata Atlântica no Brasil, Trancoso (distrito de Porto Seguro) sofre com a devastação de suas Áreas de Preservação Ambiental há pelo menos dois anos, fruto de constantes invasões de terra. Uma delas - e talvez a mais representativa - é o Mirante Rio Verde, que abrange uma área de 112 hectares e começou a ser ocupada em 2020 por movimentos da resistência camponesa, cuja atuação se espalha por toda a Bahia. Hoje, o local abriga cerca de 500 famílias. Entretanto, a fazenda à beira-mar faz parte da APA Caraíva/Trancoso, e a Lei de Zoneamento só permite atividades com prévia autorização dos gestores da área de preservação, garantindo que o impacto ambiental seja o mínimo possível - em alguns casos, 95% da vegetação originária deve ser mantida. Não foi o que aconteceu: no local, há toras de madeira cortadas para a construção de cercas e residências.

Invasões

Thiago Pugliese, advogado dos proprietários da área, relata que já são seis fazendas invadidas e a situação está se fortalecendo, ganhando ares de ‘guerrilha urbana’. Esforços para resolver a briga judicial não faltaram. “Fizemos toda uma estratégia para retirar (os ocupantes) e chegamos a fazer uma liminar para reintegrar a posse do Mirante Rio Verde. Um cidadão chegou lá, desmatou parte da área e construiu lá dentro, fez um imóvel. Conseguimos a liminar para cessar as invasões e derrubar a construção irregular”, afirmou. Nesse processo, 30 barracos foram removidos. Para o advogado, existe muito mais do que um movimento social por trás das invasões, a ponto de existir até uma imobiliária comercializando terras ilegalmente. “Tem pessoas muito poderosas por trás disso. A gente precisa separar o joio do trigo. Quem realmente não tiver moradia, se você me perguntar, a gente dava um jeito, e via como resolver. Mas não, tem gente com dinheiro, ‘na tora’, tentando invadir”.

Suspeições

A batalha judicial ganha um contorno ainda mais nebuloso com as redistribuições do processo de reintegração dentro da corte. “Houve sucessivas suspeições, e o documento de reintegração não foi entregue”, falou Pugliese. Não houve uma, nem duas abstenções de julgamento: foram precisamente 35 suspeições relacionadas ao processo, a maioria por razões pessoais. Na semana passada, duas desembargadoras se declararam suspeitas. Durante a disputa, um processo disciplinar chegou a ser aberto. O advogado declarou que os clientes não estão dispostos a negociar e garantiu que vai até o final para garantir que o processo finalmente seja despachado e a reintegração de posse realizada. “Tem crime ambiental, tem crime de grilagem (venda de terras de propriedade privada mediante falsificação de documentos de posse), e uma série de ligações com o tráfico. Tivemos até uma situação em Caraíva, onde policiais foram baleados. Portanto, é uma situação que requer cautela, e uma posição firme do Poder Judiciário”, concluiu o advogado.

Impactos

A APA Caraíva/Trancoso foi criada em junho de 1993 pelo então governador Antônio Carlos Magalhães e vai da foz do Rio Trancoso até o Rio Caraíva. Além dos remanescentes de Mata Atlântica, há o estuário (local onde rio e mar se encontram, favorecendo a vida aquática) e o próprio valor histórico do lugar, vinculado à chegada dos portugueses ao Brasil. Deste modo, das seis invasões em curso no distrito de Trancoso, a do Mirante Rio Verde acaba tendo uma repercussão ainda mais profunda para os moradores, na visão de Eudes de Faria, secretário de Desenvolvimento Urbano de Porto Seguro. “É a área de maior impacto, é a que traz maior sentimento por parte da sociedade de Trancoso. Ela está a poucos metros da praia, então tem um valor urbanístico e turístico muito grande, e um impacto ambiental difícil até de mensurar”. Com a derrubada de grande parte da vegetação dentro de uma APA, a questão acabou indo para os tribunais.

Resolução

Embora saiba que há pessoas que de fato precisam de um pedaço de terra para sobreviver e tenham ido para o Mirante, o secretário de Desenvolvimento não acredita que representem a maior parte das famílias - nas barracas, inclusive, há até uma organização, através de números inscritos nas lonas, identificando a qual ocupação pertencem. “90% dessas pessoas são, infelizmente, empresários e grileiros de terra, e pessoas que apenas desejam se aproveitar da situação para ganho financeiro”, falou Eudes de Faria. O Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) informou que deve passar o processo para um novo desembargador, a fim de que a decisão seja tomada. Até lá, por parte da Polícia Militar - que, segundo Thiago, que defende os donos do Mirante Rio Verde, já foi chamada em algumas ocasiões para retirar os ocupantes - não há muito a fazer. “A Polícia Militar não é parte do processo. Ela cumpre exatamente o que vier da Justiça. A ordem para fazer a reintegração, a gente vai reintegrar. A polícia só age quando essa ordem judicial vier acessar o comando da unidade para que a gente possa cumprir. Enquanto estiver na Justiça, para nós é como se não existisse”, justificou o tenente-coronel Alexandre Costa.

Moradia

Enquanto o advogado Thiago Pugliese e o secretário de Desenvolvimento Urbano de Porto Seguro Eudes de Farias acreditam que a grande parte dos ocupantes de áreas de preservação em Trancoso sejam pessoas e empresários endinheirados que querem tirar o máximo proveito da localização privilegiada das propriedades, e não gente que está desalojada e precisa de um lugar para viver, Andro Ribeiro, coordenador regional do movimento camponês de resistência, tem outro ponto de vista, e tem o intuito de legalizar as moradias. A estimativa é de que o número de famílias ocupantes de outras duas propriedades chegue perto dos 3 mil. “A intenção é garantir para essas pessoas o direito de acesso à propriedade da terra, que é um direito legal garantido pela Constituição, que é dado a todos. Desde que a pessoa também cumpra a função social”. No último sábado (20), o movimento realizou um protesto pela possibilidade de desocupação na estrada que dá acesso à praia de Caraíva, ateando fogo em objetos e fechando a via.Aratu.


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