» » » Médicos cubanos embarcam de Salvador levando centenas de TVs

Cleizer Ross (Foto: Arisson Marinho/CORREIO)
Faz pouco mais de um ano e meio que o médico Cleizer Ross, 34 anos, pisou no Brasil pela primeira vez. Natural de Matanzas, em Cuba, trouxe poucas coisas na mala de chegada. Importante mesmo, faz questão de lembrar, é o que tinha no coração: a vontade de conhecer e trabalhar no país - ao qual se refere como um "lugar de gente humilde". 
Na noite desta quinta-feira (29), Ross e outros 399 doutores cubanos, que eram vinculados ao programa Mais Médicos, voltaram pra casa. Eles embarcaram no Aeroporto Internacional Luís Eduardo Magalhães, em Salvador, em dois voos fretados pela companhia cubana Aviación, às 20h30 e 23h. Nas malas: saudade, gratidão e muitas, muitas TVs.
Diferente de quando chegaram à capital baiana, em agosto de 2013, na despedida, os profissionais de Cuba ostentaram não bandeiras do país de origem, mas centenas de televisões - de vários tamanhos, tipos, e modelos. O saguão principal do aeroporto e a área do embarque internacional mais parecias um estacionamento de shopping em dia de Black Friday, só que em uma quinta-feira.
É que muitos deles aproveitaram para investir no eletrônico, já que as TVs, em Cuba, são encontradas pelo dobro do preço.
"Eu já tinha [TV] aqui e, claro, ia levar comigo. Mas aproveitei pra comprar uma nova, mais moderna. Lá em Cuba nós temos uma dificuldade maior de comprar, é o dobro ou mais que isso o custo", explicou , aos risos, a médica Gpsi Perez, 53, sem tirar aos olhos das três novas aquisições, que lhe custaram o investimento de cerca de R$6 mil.
Bagagem
Os cubanos que partiram para seu país de origem através de Salvador também atuavam em outros estados. Há três anos no Piauí, a cubana afirmou que retorna feliz para a família. "É uma balança. Amo o Brasil, principalmente Salvador, que eu gosto mais. Salvador perde apenas para o cajú e para o doce [de cajú]. Mas a família pesou mais e eu decidi voltar", relatou ela. 

Além das TVs, presentes nas bagagens de todos os cubanos abordados pela reportagem, uma variedade de brinquedos, além de itens como fones de ouvido também eram facilmente encontrados em meio ao mar de malas que chegaram, gradativamente, em quatro caminhões ao terminal aéreo.
Já a doutora Isairys Gomez, 29, carregou pra Cuba tudo o que tinha direito. Mãe de um menino de três anos, Isa, como prefere ser chamada, trabalhou os últimos dois anos no Rio de Janeiro e voltou pra casa com quatro malas  abarrotadas. 
"Aqui na bagagem tem muita coisa, porque conseguimos com um preço melhor, mas isso é material. Vou lembrar muito das músicas do Brasil. Se você me perguntar o nome de alguém [cantor], não sei dizer, mas gosto demais e reconheço em qualquer lugar do mundo". 
No português não tão claro - segundo ela, porque "não deu tempo" - a doutora se esforça e até arranha. Problema mesmo, lembra Isa, era compreender as gírias. "Nunca aprendi. Era uma dificuldade na hora do atendimento, eu empurrava como dava, contando com a ajuda de pessoas daqui", recordou. Prestes a embarcar, a médica garantiu que tão cerTa quanto a ida, é a volta: "A vida é assim, como um ioiô, vai, mas sempre retorna".
Cubaianos
Na Bahia, os médicos cubanos somavam 822 - e estavam distribuídos em dezenas de municípios, onde trabalharam em unidades básicas de saúde -, segundo estado no país com maior quantidade de doutores do Mais Médicos, atrás apenas de São Paulo, onde 1.394 cubanos realizavam atendimentos. 

E por mais que alguns defendam a ideia de que toda viagem, em algum momento, manifeste a expectativa da volta pra casa, Cleizer Ross, que é médico há 11 anos, garante que retorna com o sentimento de que não era o seu momento.
"Não queria ir embora agora, era feliz aqui. Sinto falta da minha família, mas eu amo o Brasil, sempre foi o meu sonho conhecer esse lugar. Escolhi voltar porque trato é trato. Eu vou, querendo ficar", disse, em português quase impecável. Da Bahia, vai levar a recordação de um povo "tranquilo" e o "gosto todo diferente da tapioca".
Cleizer Ross (Foto: Arisson Marinho/CORREIO)
Além dos cubanos que embarcaram nesta quinta - alguns vindos de outros estados -, outros 200 já haviam saído da capital baiana rumo a Cuba, na noite de quarta-feira, também em voo fretado, segundo a Vinci Airports, concessionária responsável pela administração do aeroporto de Salvador. 
Os profissionais começaram a atuar em 2013 nas unidades de saúde brasileiras, por meio de uma cooperação internacional entre os dois países e a Organização Panamericana de Saúde (Opas). 
No dia 14 de novembro, no entanto, Cuba anunciou saída do programa. Como justificativa, apontaram declarações do presidente eleito Jair Bolsonaro, que afirmou que “expulsaria” os cubanos do Brasil com o Revalida – exame de validação de diplomas estrangeiros.
Mais que médicos
A quantidade de televisões embarcadas com os médicos de Cuba é inversamente proporcional à satisfação de deixar o Brasil. Ao menos, poucos eram os sorrisos vistos na distância entre o check in e o embarque internacional, onde os profissionais de saúde se concentraram desde as primeiras horas da tarde, após chegarem, gradativamente, em mais de cinco ônibus executivos.


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