» » Fora de cena há mais de 10 anos, Belchior vivia no anonimato e no autoexílio

 O artista considerado um dos principais ícones da MPB, morreu aos 70 anos e teve entre os sucessos canções como “Foi com medo de avião”
Como o próprio Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes dizia, ele era apenas um rapaz latino americano sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior. 

                                  Cantor morreu na noite deste sábado (29), em Santa Cruz do Rio Grande do Sul(Foto: Divulgação)


Belchior nasceu no Ceará e saiu do município de Sobral onde era cantador de feira e repentista, rumo a capital para estudar Filosofia e Humanidades. Começou até a estudar Medicina, mas abandonou o curso, juntou os pertences e foi para o Rio de Janeiro onde se entregou a carreira artística, que o consagrou como um dos cantores nordestinos que explodiram na música popular brasileira (MPB) em meados da década de 70. 
"Eu decidi de repente e de um dia para o outro fui embora, sem documentos da escola e sem dinheiro. As coisas foram bastante complicadas e difíceis porque além de não conhecer ninguém, eu tava com o orgulho do pobre: 'Se é pra vencer, vou vencer de qualquer jeito'", contou o compositor em entrevista ao jornal cearense, O POVO, em janeiro de 2004. Junto a ele, embarcaram no comboio formado pelo “povo do Ceará”, os amigos de música Fausto Nilo, Teti, Rodger Rogério. 
A música sempre fez parte da vida do terceiro filho do casal Dolores Gomes Fontenelle Fernandes e Otávio Belchior Fernandes. Além de tios poetas e boêmios, quando ainda era criança, seu avô tocava flauta e saxofone e sua mãe cantava em coro de igreja, como contou ainda em entrevista ao mesmo jornal: "Olha, minha família sempre foi muito musical no sentido do gosto. Nunca teve ninguém profissional na minha família. Meu avô tocava flauta e sax, minha mãe cantava no coro da igreja, tinha aqueles tios boêmios, que cantavam e tocavam violão. Seresteiros, né? Nesse período, ouvia muito rádio. Tinha muito alto-falante no Ceará".
Para alguns amigos, um intelectual nato: “O Belchior parecia um arquivista. É um cara culto mesmo, muito inteligente e sensível”, contou o cantor e compositor Rodger Rogério. Para outros, como a cantora Amelinha, um “sedutor com jeito de índio”, revelou em entrevista ao Jornal O Povo. “Com sua voz rouca, sua conversa afiada, agradável, divertida, e com seus abraços carinhosos. Um sedutor com jeito de índio, meio santo e meio profano. Ele tinha uma facilidade de criar e recriar histórias. A mesma história ele contava de formas diferentes. As mulheres se derretiam e os homens ficavam fascinados com sua performance elegante".
E depois dele, realmente, não apareceu mais ninguém, principalmente ao relembrar sucessos do cantor que marcaram época como as canções, “Foi com medo de avião”, “Velha roupa colorida”, “Como nossos pais” – regravada por Elis Regina, “Paralelas”, “Galos, noites e quintais” e “Comentário a respeito de John”, em uma homenagem ao beatle John Lennon. Em 1976 foi lançado um dos álbuns mais icônicos e inteiramente autoral do cantor, “Alucinação”. 
Neste disco, o arquiteto, letrista e também amigo do cantor, Fausto Nilo acredita que no grupo de compositores surgido na geração deles, Belchior é o melhor letrista. “Ele é uma pessoa intelectualmente densa e, também, muito pragmática, no sentido interessante, o de entender a realidade. Eu acho que, como letrista, ele é um pouco cínico. Eu também sou”, revelou no especial que comemorou no ano passado os 70 anos do artista feito pelo Jornal O Povo. 
Autoexílio
O medo não era só de avião. Fora de cena há mais de 10 anos, Belchior se fechava em seu próprio universo constantemente. “Olha, essas fugas de casa foram constaaaantes (risos). Sempre fui um menino muito levado, inquieto e isso me levou a fugir várias vezes de casa, mas eu sempre voltei”. O cantor foi caindo de produção no decorrer da década de 1980 e 90 quando lançou vários discos de releituras de seus grandes sucessos, entre eles Autorretrato (1999).
Em 2008, Belchior decidiu se afastar dos amigos e da carreira. O artista não retornou mais para os palcos e sumiu até do mapa. Na época, o Fantástico (Rede Globo), fez uma matéria à procura do artista, que estava recluso no Uruguai, na cidade de San Gregório de Polanco. Na entrevista, ele revelou não haver desaparecido e estava preparando um disco de canções inéditas. Porém, depois disso nada de novo surgiu. “Eu não sou uma celebridade. Eu tenho o maior carinho, o maior amor por todas as pessoas que tem como o seu trabalho fundamental o exercício da palavra cantada. Eu sempre estou voltando”, disse em uma das últimas aparições na televisão, ao Fantástico.
Belchior retornou ao Brasil e, inclusive, cheio de dívidas, entre elas a falta de pagamento de pensões e mais valores que chegavam a mais de R$ 18 mil, após abandonar carros em estacionamentos em São Paulo. O artista passou a viver no Rio Grande Sul, na cidade de  Santa Cruz do Rio Grande do Sul. “Meu sonho continua sendo aquele de exercício do oficio. Continuar cantando, continuar compondo até o fim da vida, que eu espero que seja longa”, ressaltou Belchior, quando foi entrevistado em 2002, pelo jornalista Josué Mariano.

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